O crime de desacato vem estampado
atualmente no art. 331 do Código Penal de 1940, nos Crimes contra a
Administração Pública. Segundo o referido artigo, é crime “desacatar
funcionário público no exercício da função ou em razão dela”, com penas que
variam entre seis meses e dois anos de detenção, ou multa. “Desacatar” é,
segundo o dicionário, “não guardar o respeito devido a alguém”, menosprezar,
tratar com indelicada ou irreverência. É desacato, então, quem xinga um
funcionário público, quem o humilha, desdenha seu trabalho, dentre outras
condutas.
Tal crime nasceu no Código Criminal de
1890, em seu art. 134, que determinava ser crime de desacato “desacatar
qualquer autoridade, ou funccionario publico, em exercicio de suas funcções,
offendendo-o directamente por palavras ou actos, ou faltando á consideração devida
e á obediencia hierarchica”, com penas que variam entre dois a quatro meses de
prisão. A intenção do legislador da época era resguardar o respeito e a devida
admiração da sociedade com os funcionários públicos, que trabalhavam e
movimentavam a máquina estatal; sendo, portanto, representantes do Estado. Tal
espírito continuava vigente durante a época de Vargas – quando foi promulgado o
Decreto-Lei 2848, de 1940, que implementou o novo e atual Código Penal.
Entretanto, 75 anos já se passaram desde
a promulgação do Código Penal de Getúlio Vargas. O respeito e a devida
admiração e submissão aos funcionários públicos deixaram de existir com o
passar dos anos. Hoje visualizamos todos os funcionários, sendo público ou
privado, de maneira igual, sem um estar acima do outro – principalmente por
ocasião da promulgação da Carta Magna de 1988, que trouxe a igualdade entre as
pessoas como patamar máximo a ser respeitado por todos e a responsabilização do
servidor público, por crime de responsabilidade (Lei 1079/50) ou por
improbidade administrativa (Lei 8429/92). Não mais existe aquela sensação de o
servidor público ser alguém superior ao particular.
Porém, com o ainda em vigor crime de desacato,
cria-se uma barreira intransponível entre particular e servidor público,
transformando o último praticamente em intocável. Não se pode discutir com um
servidor público, discordar de suas opiniões ou atos, defender os seus
direitos. Qualquer levantamento de voz por parte do particular é reprimido pelo
funcionário público, sob pena de receber voz de prisão por desacato. E ainda
que tal conduta seja posteriormente anulada pelo Poder Judiciário, não há
qualquer sanção para o funcionário que abusou de seu cargo - e, se houver, é mínima,
não cumprindo com suas funções de punir e reprimir.
O crime
de desacato praticamente transforma o servidor público em uma espécie de
divindade superior – intocável e inquestionável, não podendo o particular nada
fazer a não ser abaixar a cabeça e obedecer. É necessário, portanto,
desaparecer com tal tipo penal, para que naturalmente a sensação de
endeusamento dos servidores públicos se dissipa, por completo, da mente das
pessoas e dos próprios servidores, para que estes últimos entendam que são, literalmente,
funcionários da população.
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