sexta-feira, 5 de maio de 2017

A necessidade de manutenção do foro privilegiado



            O foro por prerrogativa de função, conhecido popular e nacionalmente como foro privilegiado, determina que pessoas que ocupam determinados cargos públicos devam ser julgados por seus crimes comuns ou de responsabilidade (aquelas condutas que podem acarretar em impeachment; para mais detalhes, vide Lei 1.079/50) não na instância comum, como todos os brasileiros, mas sim em instâncias especiais, em virtude dos cargos que ocupam.
            A Constituição brasileira traz uma lista de pessoas que não são julgados nas instâncias comuns, as quais ressaltamos os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, Exército, Aeronáutica; os membros dos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça; Tribunal Superior do Trabalho, Supremo Tribunal Militar e Supremo Tribunal Federal); os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, o Presidente da República e o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional e o Procurador-Geral da República (julgados no STF); os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais (julgados no STJ); os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, e os membros do Ministério Público da União (nos Tribunais Regionais Federais); e os Prefeitos e juízes, no Tribunal de Justiça.
            Atualmente, existe um movimento popular muito forte, em virtude da Operação Lava-Jato, que pede o pedido do fim do foro privilegiado por, supostamente, ser a origem da impunidade, uma vez que os órgãos máximos do Poder Judiciário brasileiros são demasiadamente lentos, não conseguindo julgar rápido o suficiente. O próprio Supremo Tribunal Federal já deu o seu aval quanto ao fim do foro privilegiado, requerendo, recentemente, relativizar a aplicação do mesmo.
            Já no Congresso Nacional, há um projeto de lei aprovado à unanimidade com o intuito de acabar com o foro de prerrogativa de função (Projeto de Emenda Constitucional 10/13), deixando-o apenas para o Presidente da República, chefes das casas legislativas, membros do Poder Judiciário e outros. 
            Mas, por que o foro privilegiado deve ser, então, mantido? Primeiramente, precisamos entender que foro “privilegiado” é um nome comumente utilizado para foro de prerrogativa de função, seu nome real. E, como o próprio nome já diz, tal foro existe exatamente pela função que a pessoa ocupa. E tal foro não existe para proteger a pessoa de seus crimes, cercando-a da impunidade, mas sim proteger o julgamento criminal dessa pessoa da influência que possui em virtude da função que ocupa, colocando-o nas mãos de juízes que não serão afetados por tal influência.
            Imaginemos um prefeito, que é acusado do cometimento de determinado crime qualquer. Se ele for julgado dentro do Município que ele cometeu o crime, certamente ele influenciará os atos do Ministério Público e do Poder Judiciário, acabando por aumentar a chance de ser absolvido mesmo não sendo inocente – seja por pressão, seja apenas pela influência e amizade que ocupa, principalmente em cidades interioranas. Da mesma forma, um deputado ou senador que for julgado por seus crimes por um juiz de primeira instância será pressionado o suficiente para influenciar sua decisão, tanto ele quanto o Ministério Público, a qual poderá fazer com que o julgamento daquele crime não saia de sua esfera de influência – principalmente se os crimes forem julgados dentro dos Estados que foram eleitos.
            Um exemplo claro disso foi a Operação Métis, na qual a Polícia Federal realizou a prisão de quatro membros da Polícia Legislativa do Senado Federal e que foi duramente criticada pelo então Presidente do Senado Renan Calheiros, a qual desqualificou o juiz que determinou a operação, ao chamá-lo de “juizeco de primeira instância” e que, posteriormente, conseguiu a anulação completa da Operação.
            Os juízes e membros do Ministério Público (promotores e procuradores) também possuem poder suficiente para julgar os julgados, principalmente que estes ocupam os cargos que exatamente abrem o processo criminal (Ministério Público) e o julgam (juízes), as quais tais determinações seriam dados – sem o foro por prerrogativação de função – aos colegas de profissão, cuja proximidade pode ser o suficiente para afetar a imparcialidade do julgamento.
            Além disso, o julgamento em primeira instância também pode ser um sinal de impunidade, eis que o acusado pode recorrer infinitamente até que o crime seja prescrito. O número de recursos para julgados em primeira instância é infinitamente superior do que aqueles que se encontram sob o pálio do foro privilegiado. Podemos utilizar como exemplo os casos do Mensalão do PT, ao qual os crimes foram entre 2004 e 2005 e o julgamento ocorreu em 2012, já findado; e o caso do ex-senador Luiz Estêvão, acusado de receber propina nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo em 1998, junto do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o “Lalau”, condenado a 31 (trinta e um) anos de prisão por peculato, corrupção passiva e peculato e que só começou a cumprir a pena em 2016 quando o Supremo Tribunal Federal permitiu o início do cumprimento de pena com a condenação em segunda instância, pois ainda há recursos pendentes nos Tribunais Superiores.
            Portanto, ao contrário do que dizem nas mídias, o foro por prerrogativa de função não tem como função principal a manutenção da impunidade dos políticos, mas sim a proteção da imparcialidade do julgamento de seus crimes. Até porque, do contrário fosse, estaríamos atestando que os Tribunais Superiores são ineficientes, já que acabam por não darem conta do serviço e deixam ocorrer prescrições criminais, gerando a impunidade.
Tal ideia foi abraçada pelo Supremo Tribunal Federal após a Operação Lava-Jato porque o órgão percebeu que não daria conta suficiente para julgar todos os processos envolvendo políticos com foro privilegiado. Assim, ao invés de melhorar o seu funcionamento para dar conta da situação, o STF jogou a culpa no foro privilegiado e jogou a população toda contra ele, pedindo o seu extermínio – não para acabar com a impunidade, mas sim para diminuir o serviço no órgão.
O Supremo Tribunal Federal já fez isso anteriormente. Em 2016, ao analisar que muitos crimes acabavam prescritos por causa dos recursos do acusado aos Tribunais Superiores, que demorava anos para serem julgados, o STF entendeu que a culpa era da parte que recorria – e não da ineficiência dos Tribunais Superiores – e passou a aceitar o cumprimento da pena imposta quando da condenação da segunda instância. Da mesma forma, já em 2017, passou a aceitar o cumprimento inicial da pena quando da condenação pelo Tribunal do Júri, ainda que pendente recurso.
Ou seja, o STF, ao perceber que o órgão se encontra ineficiente o suficiente para dar uma correta prestabilidade aos administrados, ao invés de assinar a culpa da ineficiência e melhorar seu funcionamento, passa a querer modificar – ou realmente modifica – “as regras do jogo” para diminuir seu serviço, colocando a culpa (sempre) no administrado.

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