quinta-feira, 18 de maio de 2017

Se o Temer cair, quem assumirá a Presidência da República?



            Na data de ontem, saiu no site da Globo uma poderosa denúncia contra o Presidente da República Michel Temer, em que o mesmo dá aval para que os donos da JBS, os irmãos Joesley e Wesley Batista, dessem uma mesada para comprarem o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e do operador Lucio Funaro, ambos presos pela Operação Lava-Jato.
            Logo em seguida, as Casas do Congresso Nacional e a população civil entraram em pavoroço e muitos pediram a renúncia imediata do Presidente, além de deputados e senadores terem impetrado pedido de impeachment do mesmo. Mas, a dúvida que ficou em parte da população é: se o Temer cair, quem assume?
            Segundo a Constituição Federal brasileira, se o cargo de Presidente da República estiver vago, logicamente quem assume é o Vice-Presidente. Se este estiver no cargo de Presidente, assumirá provisoriamente o Presidente da Câmara dos Deputados, hoje exercido pelo deputado Rodrigo Maia; o Presidente do Senado Federal, hoje exercido pelo senador Eunício de Oliveira e, por fim, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, hoje exercido pela Ministra Carmen Lúcia.
            Estes poderão ficar no cargo de Presidente da República no prazo máximo de 90 (noventa) dias, quando deverá realizar novas eleições durante o período. O novo Presidente da República ficará no cargo até o final do mandato original, que extingue, no caso, em 31 de dezembro de 2018.
            A Constituição Federal determina, todavia, que haverá eleições diretas – ou seja, que o próprio povo vota – se o Presidente da República e o Vice-Presidente caírem nos dois primeiros anos do mandato (entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2016, no caso). Caso ambos caíam nos últimos dois anos do mandato (entre 1º de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2018, no caso), o Congresso Nacional elegerá indiretamente o novo Presidente e Vice-Presidente, sem participação popular.
            É o que determinam os art. 80 e 81 da Constituição Federal.

Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§ 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
           
Assim, caso o Presidente da República Michel Temer caía, renuncie ou sofra processo de impeachment, assumirá interinamente o Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Supremo Tribunal Federal nessa ordem, no prazo de 90 (noventa) dias, as quais ocorrerá novas eleições indiretas, já que nos encontramos nos últimos dois anos do mandato presidencial.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Somos todos bandidos!



            Diariamente, vemos as pessoas nas ruas, nos telejornais e nas redes sociais referindo-se às pessoas que cometem crimes como “bandidas” e pedindo a desamunidade, o encarceramento perpétuo e até mesmo a morte dessas pessoas. Mas, quem realmente é bandido? E se eu te disser que, na realidade, somos todos nós?
            Isso mesmo que você leu. Todos nós somos bandidos, todos nós cometemos crimes, que são mais comuns do que imaginamos. A legislação brasileira prevê mais de dois mil crimes diferentes – dos mais complexos aos mais simples, passando por aqueles que jamais imaginaríamos que seria crime -, além do fato de o brasileiro ter o péssimo de burlar uma lei aqui e outra lá. Um clássico exemplo de crime que cometemos diariamente é a difamação (art. 139 do Código Penal), que consiste em divulgar fato de terceiro ofensivo à sua reputação – o velho “falar mal do outro”, “fofocar sobre a vida alheia”. No mesmo nipe de crimes, temos a injúria (art. 140 do Código Penal), que consiste em alguém xingar o outro de “fdp”, “viado”, “ridículo”, “retardado”, dentre outras palavras deselegantes.
            Ainda em relação aos crimes que comumente cometemos, está a violação de direito autoral. Quem baixa um livro, uma música, quem assiste um filme na internet ou o baixa, quem grava um CD ou DVD para um parente ou amigo sem pagar o devido ao autor da obra comete crime de violação de direito autoral (art. 184, e seus parágrafos, do Código Penal). Da mesma forma, aquele que se desloca até o camelô mais próximo e compra um CD ou DVD pirata, um produto falsificado, um tênis da “Nike” que não é da “Nike” comete crime de receptação (art. 180 do Código Penal), eis que adquire um produto oriundo de crime.
            Podemos citar o velho e errado hábito brasileiro de beber e dirigir, que, mesmo com seguidas propagandas em todos os cantos inimagináveis, as pessoas continuam realizando (art. 306 do Código de Trânsito). E é importante explicar que é crime ainda que não haja nenhum acidente ou vítima – é crime meramente dirigir alcoolizado. Na mesma seara, também são crimes do Código de Trânsito dirigir sem Carteira Nacional de Habilidade – aqui já necessita colocar em perigo concreto a vida ou segurança de outras pessoas (art. 309) – e o empréstimo de veículo à pessoa que não possa dirigir, como alguém sem CNH ou alcoolizada (art. 310).
            Também comete crime – dessa vez contra a ordem tributária - aquele que vende um produto qualquer em sua loja sem emitir nota fiscal – deixando de pagar o tributo devido (art. 1º, V da Lei 8137/90). Grande parte dos comércios que você compra vende sem nota fiscal, não é mesmo? Se ele não pagar o tributo devido, comete crime contra a ordem tributária. Da mesma forma, vender ao consumidor um produto que esteja impróprio ao consumo – produto fora da validade, por exemplo –, ou meramente estiver com na loja disponível à venda ou no depósito, também é crime da Lei 8137/90 (art. 7º, IX).
            Ainda no tocante a crimes contra a ordem tributária ou contra os consumidores, podemos citar aquele hábito de não declarar toda a renda adquirida no ano para pagar menos Imposto de Renda; hábito este que pode lhe render alguns anos de cadeia (art. 1º, I ou II; Lei 8137); ou aquele hábito de trocar uma peça de um produto danificado por outro seminovo (at. 70 do CDC); ou aquele de fazer aquela megapublicidade de um super hambúrguer perfeito e vir algo que parece tirado do lixo (art. 66, também do CDC); ou aquele de não quer vender a alguém que se encontre dentro da loja pronto para comprar, por motivos como preconceito ou nojo – como moradores de rua, por exemplo (art. 7º, V da Lei 8137), e tantos outros exemplos que fariam desta lista um testamento.
            Podemos citar também a falsificação de documentos e de carteirinha, seja para pagar meia entrada, seja para atingir maioridade quando não possui. Ambas as condutas são crimes contra a fé pública (art. 297, 298 ou 299 do Código Penal, dependendo do caso concreto), além de poder se tornar estelionato se houver vantagem patrimonial de qualquer natureza. Fora o péssimo hábito brasileiro de os pais, parentes, amigos e até mesmo donos de restaurante e seus empregados de darem, servirem ou venderem bebida alcoólica a menores, ou deixá-los beber; conduta esta que também é crime pela legislação brasileira (art. 243 do ECA).
            É muito fácil bater no peito e bradar pena de morte ou prisão perpétua aos “bandidos que assolam esta nação”; entretanto, mal sabemos nós que muitas condutas nossas são consideradas criminosas pela legislação brasileira. E não é que não conhecemos a legislação brasileira – raríssimos os exemplos são de normas desconhecidas pelas pessoas leigas –, o grande problema é que não a respeitamos. É a velha corrupção, tão enraizada em nossa cultura que jogamos a lei de lado para validarmos a “lei do mais esperto”.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

A necessidade de manutenção do foro privilegiado



            O foro por prerrogativa de função, conhecido popular e nacionalmente como foro privilegiado, determina que pessoas que ocupam determinados cargos públicos devam ser julgados por seus crimes comuns ou de responsabilidade (aquelas condutas que podem acarretar em impeachment; para mais detalhes, vide Lei 1.079/50) não na instância comum, como todos os brasileiros, mas sim em instâncias especiais, em virtude dos cargos que ocupam.
            A Constituição brasileira traz uma lista de pessoas que não são julgados nas instâncias comuns, as quais ressaltamos os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, Exército, Aeronáutica; os membros dos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça; Tribunal Superior do Trabalho, Supremo Tribunal Militar e Supremo Tribunal Federal); os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, o Presidente da República e o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional e o Procurador-Geral da República (julgados no STF); os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais (julgados no STJ); os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, e os membros do Ministério Público da União (nos Tribunais Regionais Federais); e os Prefeitos e juízes, no Tribunal de Justiça.
            Atualmente, existe um movimento popular muito forte, em virtude da Operação Lava-Jato, que pede o pedido do fim do foro privilegiado por, supostamente, ser a origem da impunidade, uma vez que os órgãos máximos do Poder Judiciário brasileiros são demasiadamente lentos, não conseguindo julgar rápido o suficiente. O próprio Supremo Tribunal Federal já deu o seu aval quanto ao fim do foro privilegiado, requerendo, recentemente, relativizar a aplicação do mesmo.
            Já no Congresso Nacional, há um projeto de lei aprovado à unanimidade com o intuito de acabar com o foro de prerrogativa de função (Projeto de Emenda Constitucional 10/13), deixando-o apenas para o Presidente da República, chefes das casas legislativas, membros do Poder Judiciário e outros. 
            Mas, por que o foro privilegiado deve ser, então, mantido? Primeiramente, precisamos entender que foro “privilegiado” é um nome comumente utilizado para foro de prerrogativa de função, seu nome real. E, como o próprio nome já diz, tal foro existe exatamente pela função que a pessoa ocupa. E tal foro não existe para proteger a pessoa de seus crimes, cercando-a da impunidade, mas sim proteger o julgamento criminal dessa pessoa da influência que possui em virtude da função que ocupa, colocando-o nas mãos de juízes que não serão afetados por tal influência.
            Imaginemos um prefeito, que é acusado do cometimento de determinado crime qualquer. Se ele for julgado dentro do Município que ele cometeu o crime, certamente ele influenciará os atos do Ministério Público e do Poder Judiciário, acabando por aumentar a chance de ser absolvido mesmo não sendo inocente – seja por pressão, seja apenas pela influência e amizade que ocupa, principalmente em cidades interioranas. Da mesma forma, um deputado ou senador que for julgado por seus crimes por um juiz de primeira instância será pressionado o suficiente para influenciar sua decisão, tanto ele quanto o Ministério Público, a qual poderá fazer com que o julgamento daquele crime não saia de sua esfera de influência – principalmente se os crimes forem julgados dentro dos Estados que foram eleitos.
            Um exemplo claro disso foi a Operação Métis, na qual a Polícia Federal realizou a prisão de quatro membros da Polícia Legislativa do Senado Federal e que foi duramente criticada pelo então Presidente do Senado Renan Calheiros, a qual desqualificou o juiz que determinou a operação, ao chamá-lo de “juizeco de primeira instância” e que, posteriormente, conseguiu a anulação completa da Operação.
            Os juízes e membros do Ministério Público (promotores e procuradores) também possuem poder suficiente para julgar os julgados, principalmente que estes ocupam os cargos que exatamente abrem o processo criminal (Ministério Público) e o julgam (juízes), as quais tais determinações seriam dados – sem o foro por prerrogativação de função – aos colegas de profissão, cuja proximidade pode ser o suficiente para afetar a imparcialidade do julgamento.
            Além disso, o julgamento em primeira instância também pode ser um sinal de impunidade, eis que o acusado pode recorrer infinitamente até que o crime seja prescrito. O número de recursos para julgados em primeira instância é infinitamente superior do que aqueles que se encontram sob o pálio do foro privilegiado. Podemos utilizar como exemplo os casos do Mensalão do PT, ao qual os crimes foram entre 2004 e 2005 e o julgamento ocorreu em 2012, já findado; e o caso do ex-senador Luiz Estêvão, acusado de receber propina nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo em 1998, junto do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, o “Lalau”, condenado a 31 (trinta e um) anos de prisão por peculato, corrupção passiva e peculato e que só começou a cumprir a pena em 2016 quando o Supremo Tribunal Federal permitiu o início do cumprimento de pena com a condenação em segunda instância, pois ainda há recursos pendentes nos Tribunais Superiores.
            Portanto, ao contrário do que dizem nas mídias, o foro por prerrogativa de função não tem como função principal a manutenção da impunidade dos políticos, mas sim a proteção da imparcialidade do julgamento de seus crimes. Até porque, do contrário fosse, estaríamos atestando que os Tribunais Superiores são ineficientes, já que acabam por não darem conta do serviço e deixam ocorrer prescrições criminais, gerando a impunidade.
Tal ideia foi abraçada pelo Supremo Tribunal Federal após a Operação Lava-Jato porque o órgão percebeu que não daria conta suficiente para julgar todos os processos envolvendo políticos com foro privilegiado. Assim, ao invés de melhorar o seu funcionamento para dar conta da situação, o STF jogou a culpa no foro privilegiado e jogou a população toda contra ele, pedindo o seu extermínio – não para acabar com a impunidade, mas sim para diminuir o serviço no órgão.
O Supremo Tribunal Federal já fez isso anteriormente. Em 2016, ao analisar que muitos crimes acabavam prescritos por causa dos recursos do acusado aos Tribunais Superiores, que demorava anos para serem julgados, o STF entendeu que a culpa era da parte que recorria – e não da ineficiência dos Tribunais Superiores – e passou a aceitar o cumprimento da pena imposta quando da condenação da segunda instância. Da mesma forma, já em 2017, passou a aceitar o cumprimento inicial da pena quando da condenação pelo Tribunal do Júri, ainda que pendente recurso.
Ou seja, o STF, ao perceber que o órgão se encontra ineficiente o suficiente para dar uma correta prestabilidade aos administrados, ao invés de assinar a culpa da ineficiência e melhorar seu funcionamento, passa a querer modificar – ou realmente modifica – “as regras do jogo” para diminuir seu serviço, colocando a culpa (sempre) no administrado.

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Sobre confessar o crime e não ser preso: os motivos por trás da situação



É muito comum vermos nos noticiários que pessoas acusadas dos mais variados crimes – normalmente os mais cruéis ou hediondos – se apresentarem à Polícia como autores do crime, confessarem perante o delegado e saírem pela porta da frente. E tal situação certamente causa grande indignação na sociedade, pois uma pessoa confessa que cometeu algum crime na frente do delegado e volta pra casa normalmente. Mas, por que isso acontece?
            Primeiramente, precisamos explicar que um dos motivos das pessoas acusadas fugirem do local do crime e se apresentar à Polícia dias depois é, de fato, para fugir do flagrante. Segundo o Código de Processo Penal (art. 302), a prisão em flagrante pode ocorrer em quatro situações: a) quando a pessoa está cometendo o crime; b) quando acaba de cometê-lo; c) quando é perseguido, logo após, pelas autoridades, pela vítima ou por qualquer pessoa, em situação que se faça presumir ser o autor da infração; d) é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.
            Caso não ocorra nenhuma dessas quatro situações, o acusado não pode ser preso em flagrante delito. Assim, o acusado só poderá ser preso no curso do processo, após o flagrante, se ocorrer motivos justificados para sua prisão – não basta ser acusado do cometimento do crime ou ter confessado, mas sim que sua liberdade coloca em risco a segurança da população, o curso do processo ou a futura efetivação da pena (ou seja, ele fuja antes da condenação). A simples acusação ou o simples confessar do crime não serve como base para decretar prisão cautelar – seja preventiva, seja temporária. Da mesma forma, a gravidade do crime ou a pena final a ele imposta não pode servir de base para a decretação da prisão cautelar, uma vez que deve-se apurar tão somente se a liberdade do acusado coloca em risco a segurança da população, o curso do processo ou a futura efetivação da pena.
            Dessa forma, pode normalmente o acusado entrar na Polícia, sentar frontalmente o delegado, confessar os mais horrendos crimes e sair pela porta da frente da Delegacia. E isso também não significa que nunca será preso, já que o processo ocorrerá normalmente e, ao final, ele será condenado e passará a cumprir a pena a ele imposto. A prisão cautelar não é antecipação de pena, tem como função apenas garantir a ordem na sociedade ou no processo ou, ainda, garantir a futura execução da pena.