Seja no dia a dia forense, seja assistindo aos
noticiários policiais, sempre nos damos de cara com algum profissional que cita
o crime de “falsidade ideológica” quando algum sujeito se passa por alguém que
não seja ele. Seja um profissional do Jornalismo - o repórter ou o âncora do
programa televisivo – ou do Direito – como muitos Delegados da Polícia Civil.
Entretanto, há no Direito Penal, o crime de “falsa identidade”, tipificado no
art. 307 do Código Penal, cujo nomen
juris, a priori, parece
igualmente encaixar nas situações supramencionadas. Qual, então, será o tipo
penal a ser incorrido?
O crime de “falsidade
ideológica” se encontra tipificado no art. 299 do Código Penal, que assim
determina:
Art. 299 - Omitir, em documento
público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou
fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim
de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento
é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a
cinco contos de réis, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e
comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de
assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
O artigo retromencionado determina que incorrerá no crime
de falsidade ideológica aquele que omitir, em documento público ou particular,
declaração que nele deveria constar ou inserir declaração falsa ou diversa da
realidade, com o intuito de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante. Ou seja, para cometer o crime de
falsidade ideológica deve o agente, em um documento público ou particular,
ocultar alguma informação que não poderia ser ocultada ou inserir alguma
informação que não poderia ser inserida, com o intuito de prejudicar direito,
criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
A título de exemplo, comete crime de falsidade ideológica
aquele que escreve em um documento que é menor de idade para se eximir de
eventual responsabilidade; aquele que omite ser casado para evitar a
necessidade da outorga uxoria ou marital; aquele que, no cartório, ao
registrar o imóvel, alega que o mesmo é de uma terceira pessoa e não do
Município, para usucapir posteriormente, etc. Para se configurar o crime do
art. 299 não basta tão somente o agente alegar fato diverso da realidade, ou
omiti-lo. É necessário que isso ocorra em um documento, seja público ou
particular. E tem que haver o fim de prejudicar
direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicalmente
relevante. Não é necessário que ocorra esse fim, bastando o seu ensejo –
por se tratar, o crime em comento, de crime transcendental. Na ausência de
qualquer destes requisitos, não poderá o agente incorrer nas iras do preceito
secundário do art. 299 supramencionado.
Já o crime de “falsa
identidade” está tipificado no art. 307 do Código Penal, in verbis:
Art. 307 -
Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em
proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato
não constitui elemento de crime mais grave.
Dando uma rápida leitura no tipo penal retromencionado,
podemos perceber que incorrerá nas iras do preceito secundário do art. 307
aquele que atribuir a si mesmo ou a terceira uma identidade que não corresponde
com a realidade, com a finalidade de obter
vantagem ou causar dano a outrem. Como
identidade, entende-se que é “o
conjunto de características peculiares de uma pessoa determinada, que permite
reconhecê-la e individualizá-la, envolvendo o nome, a idade, o estado civil, a
filiação, o sexo, entre outros dados.[1]”.
Então, aquele que alegar ser uma pessoa diversa da que é na realidade incorrerá
nas iras do art. 307 do Código Penal, desde que essa alegação tenha o propósito
de auferir vantagem ou prejudicar, causando dano, terceiros. É
um crime transcendental, da mesma forma que a “falsidade ideológica”, não
necessitando, portanto, da efetiva obtenção da vantagem ou do efetivo dano ao
terceiro, bastando tão somente a atribuição de identidade falsa com esta
finalidade.
Por
fim, é necessário analisar que, caso a atribuição da identidade falsa seja por
vias documentais, estará o indivíduo incorrendo nas iras não do art. 307, mas
sim do art. 299 do Código Penal, por ser o primeiro crime subsidiário, como se
retira da análise da parte final do preceito secundário do mesmo: “Pena - detenção, de
três meses a um ano, ou multa, se o fato
não constitui elemento de crime mais grave.” (grifo nosso).
Assim, pode-se descobrir, ao final, que
aquele que alega para todos ser “Fulano” quando na realidade se chama
“Cicrano”, ou aquele que se faz passar por alguém que não o é, não comete crime
de falsidade ideológica, como corriqueiramente se ouve nos noticiários
brasileiros, e sim, tão somente, de falsa identidade.
[1]
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.
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