sexta-feira, 28 de abril de 2017

O IPVA vai realmente para as estradas?



           O que mais ouvimos no dia a dia é aquela velha maxima que diz que pagar IPVA e pedágio é ilegal porque é bitributação; portanto, se pagar um, não deve pagar o outro. É algo existente na cabeça e na boca das pessoas, que sempre disparam isso quando veem, principalmente, quando uma rodovia está com a sua situação precária ou se passa em um pedágio. Mas, será que essa afirmação está, de fato, certo?
            Não. Ao contrário do que imaginamos, o IPVA não vai necessariamente para o conserto de rodovias. E por que não vai, necessariamente? O IPVA é um imposto, uma das modalidades de tributo (assim como as taxas e as contribuições). São treze impostos, no total: Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR), Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD), Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU), Imposto sobre Transmissão Inter Vivos (ITBI) e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
            Todos os impostos vão para o bolo do ente federado que possui competência para instituir, que dará destinação a este dinheiro para investimento ou quitar dívidas públicas. Assim, o dinheiro recolhido pelo IPVA pode ir para educação, saúde, pagamento de salários, compra de medicamentos, material, obras públicas e, também, rodovias.
            Além disso, o IPVA é um imposto estadual (art. 156, III da Constituição Federal). Portanto, incumbe a cada Estado instituir o IPVA, obrigar a todos a lhe quitarem e a recolher o dinheiro pago, utilizando-o para investimento ou quitação de dívidas públicas. Por isso, cada Estado possui um valor de IPVA diferente, pois cada Estado possui poder para cobrar alíquota como bem lhe aprouver – dentro de parâmetros previamente estabelecidos. Dessa forma, cabe ao Estado recolher o dinheiro do IPVA e utilizar para investimento ou quitação de dívidas públicas suas.
            Como grande parte das rodovias brasileiras são federais (as rodovidas federais são aquelas cuja numeração é precedida de “BR”, como BR-265; BR-040; dentre outras), o dinheiro que virá para a sua manutenção é oriunda de dinheiro público federal, podendo vir tão somente de impostos federais (todos os elencados no art. 153 da Constituição Federal: II; IE; IR; IOF; ITR e IGF, ainda não instituído), não podendo vir fruto de impostos estaduais, como o IPVA.
            Por fim, vale mencionar que, ainda que o IPVA fosse exclusivamente para a manutenção de rodovidas – que não é o caso -, não haveria bitributação, uma vez que o pedágio não é tributo – nem imposto, nem taxa, nem contribuição. Os pedágios são instituídos, recolhidos e seus valores ajustados pela empresa concessionária da rodovia, que é uma empresa privada, sendo que os tributos devem ser instituídos e seus valores ajustados pelos entes federados tão-somente, através de leis prévias.
            Assim, o dinheiro recolhido do IPVA não vai necessariamente para a manutenção das rodovias brasileiras, indo normalmente para o bolo do Estado onde se encontra emplacado o veículo, que irá determinar o seu destino.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Diferença entre Falsidade Ideológica e Falsa Identidade



            Seja no dia a dia forense, seja assistindo aos noticiários policiais, sempre nos damos de cara com algum profissional que cita o crime de “falsidade ideológica” quando algum sujeito se passa por alguém que não seja ele. Seja um profissional do Jornalismo - o repórter ou o âncora do programa televisivo – ou do Direito – como muitos Delegados da Polícia Civil. Entretanto, há no Direito Penal, o crime de “falsa identidade”, tipificado no art. 307 do Código Penal, cujo nomen juris, a priori, parece igualmente encaixar nas situações supramencionadas. Qual, então, será o tipo penal a ser incorrido?
            O crime de “falsidade ideológica” se encontra tipificado no art. 299 do Código Penal, que assim determina:

            Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.
Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
 
            O artigo retromencionado determina que incorrerá no crime de falsidade ideológica aquele que omitir, em documento público ou particular, declaração que nele deveria constar ou inserir declaração falsa ou diversa da realidade, com o intuito de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Ou seja, para cometer o crime de falsidade ideológica deve o agente, em um documento público ou particular, ocultar alguma informação que não poderia ser ocultada ou inserir alguma informação que não poderia ser inserida, com o intuito de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
            A título de exemplo, comete crime de falsidade ideológica aquele que escreve em um documento que é menor de idade para se eximir de eventual responsabilidade; aquele que omite ser casado para evitar a necessidade da outorga uxoria ou marital; aquele que, no cartório, ao registrar o imóvel, alega que o mesmo é de uma terceira pessoa e não do Município, para usucapir posteriormente, etc. Para se configurar o crime do art. 299 não basta tão somente o agente alegar fato diverso da realidade, ou omiti-lo. É necessário que isso ocorra em um documento, seja público ou particular. E tem que haver o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicalmente relevante. Não é necessário que ocorra esse fim, bastando o seu ensejo – por se tratar, o crime em comento, de crime transcendental. Na ausência de qualquer destes requisitos, não poderá o agente incorrer nas iras do preceito secundário do art. 299 supramencionado.
            Já o crime de “falsa identidade” está tipificado no art. 307 do Código Penal, in verbis:

            Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

            Dando uma rápida leitura no tipo penal retromencionado, podemos perceber que incorrerá nas iras do preceito secundário do art. 307 aquele que atribuir a si mesmo ou a terceira uma identidade que não corresponde com a realidade, com a finalidade de obter vantagem ou causar dano a outrem. Como identidade, entende-se que é “o conjunto de características peculiares de uma pessoa determinada, que permite reconhecê-la e individualizá-la, envolvendo o nome, a idade, o estado civil, a filiação, o sexo, entre outros dados.[1]”. Então, aquele que alegar ser uma pessoa diversa da que é na realidade incorrerá nas iras do art. 307 do Código Penal, desde que essa alegação tenha o propósito de auferir vantagem ou prejudicar, causando dano, terceiros. É um crime transcendental, da mesma forma que a “falsidade ideológica”, não necessitando, portanto, da efetiva obtenção da vantagem ou do efetivo dano ao terceiro, bastando tão somente a atribuição de identidade falsa com esta finalidade.
Por fim, é necessário analisar que, caso a atribuição da identidade falsa seja por vias documentais, estará o indivíduo incorrendo nas iras não do art. 307, mas sim do art. 299 do Código Penal, por ser o primeiro crime subsidiário, como se retira da análise da parte final do preceito secundário do mesmo: “Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.(grifo nosso).
Assim, pode-se descobrir, ao final, que aquele que alega para todos ser “Fulano” quando na realidade se chama “Cicrano”, ou aquele que se faz passar por alguém que não o é, não comete crime de falsidade ideológica, como corriqueiramente se ouve nos noticiários brasileiros, e sim, tão somente, de falsa identidade.



[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.