segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Função das Prisões Cautelares



            Nos dias atuais, o que mais ouvimos falar é das prisões cautelares. Como garantia da ordem pública, possuem tais prisões a função de manter o réu preso para que sua liberdade não ponha em risco a sociedade, o bom andamento do processo, inquérito ou o cumprimento da sentença, por prazo determinado ou até a sentença transitada em julgado – para, enfim, caso seja condenado, ser preso para cumprimento da pena a ele imposta. As prisões cautelares, no Brasil, são duas: a prisão temporária, estipulada na Lei 7960/89, e a prisão preventiva, estipulada no art. 312 e ss. do Código de Processo Penal.
            A prisão temporária possui como condão manter o agente preso quando imprescindível à investigação do inquérito policial (inciso I do art. 1º da Lei 7960/89); quando não houver elementos necessários à sua identidade ou não tiver residência fixa (inciso II) e quando houver provas fundadas da participação ou autoria dos crimes de homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro, estupro, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal com resultado morte, quadrilha ou bando, genocídio, tráfico de drogas ou crimes contra o sistema financeiro (inciso III e suas alíneas) e terá validade de cinco dias (art. 2º), prorrogáveis por mais cinco (ou trinta, no tocante aos hediondos; art. 2º, § 4º da Lei 8072/90).
            Já a prisão preventiva será decretada pelo juiz quando for necessária a manutenção da prisão do agente para garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312 do Código de Processo Penal) ou no descumprimento de medida cautelar (Parágrafo Único do art. 312) e ocorrerá nos crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, se o agente for reincidente ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou deficiente, para garantia a execução das medidas protetivas de urgência (art. 313).
            Portanto, tanto a prisão temporária quanto a prisão preventiva possuem requisitos a serem analisados no caso concreto, para que sejam decretadas. A liberdade é a regra – a prisão é a exceção. Tal regra é uma ramificação do Princípio da Presunção de Inocência esculpido no art. 5º, LVII da Constituição Federal, que determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Ora, se o agente só será considerado culpado ao final do processo, por que a prisão anterior dele? As prisões cautelares, como o próprio nome já diz, possuem como função manter a cautela contra agentes cuja liberdade seja considerada “perigosa”, pois poderá voltar a delinquir, evadir do cumprimento da sentença ao final, atrapalhar o decurso das investigações ou do processo – coagindo testemunhas, por exemplo, dentre outros.
Quando a liberdade do agente é considerada perigosa para a sociedade, para o bom cumprimento da sentença, para o bom andamento do processo ou para a investigação criminal, pode ser decretada a sua prisão, de forma cautelar. Cessada os motivos de sua decretação, deverá a mesma ser revogada.  Não é como uma antecipação de pena. A vida real não é como nos filmes e novelas que, descoberto o autor do crime, este é preso e fica na prisão, enquanto os mocinhos vivem felizes para sempre – até porque um dia ele será libertado. Deve-se salientar que tal medida é extremada tendo em vista que a decretação de prisão cautelar e posterior absolvição do réu não é erro judiciário para fins de indenização do agente preso indevidamente. Ou seja, se um agente for preso preventivamente pelo possível cometimento de um crime e depois é absolvido, não terá direito a indenização pelo tempo que ficou preso preventivamente e não será ressarcido do tempo que ficou preso indevidamente, por motivos lógicos. Assim, as prisões cautelares devem ser utilizadas apenas em último caso, quando esgotadas outras formas de prevenção – como as medidas cautelares do art. 319 do Código de Processo Penal e a fiança. E todos podem ficar tranquilos: deixar o réu livre agora não quer dizer que ele deixará de ser processado e, se de fato autor do crime, condenado, onde ali será preso enfim.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Reforma Trabalhista

            A Reforma Trabalhista foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Michel Temer, transformando-se na Lei 13.467/17 e alterando consubstancialmente a CLT, de 1943.
            A CLT foi criada como uma união de legislações trabalhistas esparsas, trazidas pelo governo getulista. Durante o Estado Novo, o Getúlio Vargas outorgou o Decreto-Lei 5452, no 1º de maio de 1943, decretando-se a Consolidação das Leis Trabalhistas, com início de vigência em 10 de novembro do mesmo ano.
            Com o passar dos anos, grande parte da população – principalmente os empresários – começou a defender a tese de que a CLT é muito engessada, impedindo uma negociação direta entre empregados e empregadores, ou entre sindicatos patronais e de empregados. Com isso, criou-se a ideia da necessidade de modificação da CLT principalmente para salvaguardar empregos, aumentada com o início da crise econômico-política a que vivemos – aprovada pela Reforma Trabalhista.
            A principal modificação trazida pela Reforma Trabalhista foi o desengessamento da CLT, permitindo que as convenções coletivas sobreponham sobre a lei em questões como, dentre outros (art. 611-A):

Art. 611-A – [...]
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; 
II - banco de horas anual;  
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;  
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; 
VI - regulamento empresarial;
 VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; 
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;  
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;  
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;  
XI - troca do dia de feriado; 
XII - enquadramento do grau de insalubridade; 
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;  
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;  
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa. 
            Ficam mantidos, sem a possibilidade de flexibilização, os direitos trazidos pelo art. 611-B da CLT:

Art. 611-B – [...]
I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;  
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;  
III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);  
IV - salário mínimo;  
V - valor nominal do décimo terceiro salário; 
VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; 
VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;  
VIII - salário-família;  
IX - repouso semanal remunerado; 
X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; 
XI - número de dias de férias devidas ao empregado; 
XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;  
XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; 
XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei; 
XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; 
XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; 
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;  
XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;  
XIX - aposentadoria;  
XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;  
XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;  
XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; 
XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; 
XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;  
XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;  
XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; 
XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;  
XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; 
XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;  
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação. 
           
No primeiro caso, a Justiça do Trabalho poderá atuar somente se houver ilicitude no cumprimento das formalidades necessárias para a convenção coletiva, não se permitindo o julgamento do mérito (art. 8º, § 3º c/c art. 611-A, § 1º, ambos da CLT).  
            Entretanto, a Reforma Trabalhista também modificou outras situações existentes na CLT. A primeira delas é a proibição de considerar como hora extra o tempo que o empregado fica dentro da empresa para se proteger de eventos climáticos, para descanso, lazer, estudo, troca de roupa, higiene pessoal, dentre outros, bem como o período em que o empregado esteja em transporte fornecido pela empresa – as chamadas horas in itinere, anulando-se a Súmula 90 do TST, que dispõe sobre o assunto (art. 58, §2 º da CLT).
            Quanto à Carteira de Trabalho e Previdência Social, aumentou a multa para empregados não registrados, que passou de 1 salário-mínimo (atualmente R$ 937,00) e passou para R$ 3.000,00 (três mil reais) – com exceção das microempresas e empresas de pequeno porte, que ficou fixado em R$ 800,00 (oitocentos reais) -, dobrando-se em caso de reincidência.
            Na nova legislação trabalhista, ficou permitida a jornada de trabalho de 12x36, mediante acordo individual ou coletivo de trabalho, convenção coletiva, podendo ser indenizados os intervalos para repouso e alimentação e cuja remuneração mensal abrange os pagamentos do descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, sendo considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno.
            Criou-se, na Reforma Trabalhista, a figura do teletrabalho. Segundo o art. 75-B da CLT, considera-se teletrabalho “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”, que deverá ser fiscalizado pelo empregador e que não há necessidade de cumprimento da jornada de trabalho do art. 58 e ss. (art. 62, III, ambos da CLT)
            Em relação às férias, o novo art. 134 permitirá que, havendo concordância do empregado, poderá fracionar as férias em até 3 (três) períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a 14 (catorze) dias e outros não poderão ser inferior a 05 (cinco) cada – e não mais em 02 (duas) vezes apenas. Da mesma forma, foi revogada a norma que impedia que menores de 18 (dezoito) e maiores de 50 (cinquenta) anos fracionassem suas férias.
            Na Reforma Trabalhista, foi permitida a possibilidade de reparação de danos de natureza extrapatrimonial que, segundo o art. 233-B da CLT, é “a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.” – ou seja, todo bem da pessoa física (art. 223-C) ou jurídica (art. 223-D) que possa sofrer lesão por ato comissivo ou omissivo da outra parte, como a honra, imagem, sexualidade, saúde ou lazer do empregado e marca, imagem, nome ou segredo da empresa. Será requerida judicialmente, perante a Justiça do Trabalho, e será analisada as circunstâncias do art. 223-G e a tabela do § 1º do mesmo artigo.
            Além disso, ficou permitido que grávidas laborem em condições insalubres, desde que as atividades não sejam em grau máximo – lembrando que o grau de insalubridade pode ser regulado por acordo ou convenção coletiva (art. 611-A, XII da CLT) –, a menos que um médico de confiança da gestante – ou da lactante, em qualquer grau – recomende o afastamento mediante atestado de saúde. E, se a mulher for afastada do local de insalubridade por gestação ou lactação e não puder trabalhar em local salubre, será considerada gravidez de risco e receberá salário-maternidade.
            Criou-se, na Reforma Trabalhista, o contrato de trabalho intermitente, quando a prestação de serviços não é contínua, alternando-se em períodos de prestação de serviços e de inatividade, na qual se regulará conforme o novo art. 452-A da CLT.
Além disso, foi modificado o art. 477 da CLT, cujo § 1º determinava a obrigatoriedade de a homologação da rescisão contratual ser feita no sindicato da categoria para contratos superiores a 01 (um) ano, não mais subsistindo tal obrigatoriedade. Além disso, foi modificado o seu § 6º, que determinava que o empregador tinha o prazo de 01 (um) dia útil para pagar as verbas rescisórias, ao final do contrato de trabalho, ou 10 (dez) dias corridos, caso o aviso prévio fosse indenizado. Agora, em qualquer caso, o prazo é de 10 (dez) dias, mesmo prazo para entrega da documentação referente à homologação aos órgãos competentes.
Criou-se, ainda, mais uma modalidade de demissão por justa causa, onde passará a ser permitida a extinção do contrato de trabalho por justa causa quando há perda, por parte do empregado, da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em caso de conduta dolosa do empregado – ou seja, em caso de culpa, não há possibilidade de extinção do contrato de trabalho por justa causa.
Ainda sobre extinção do contrato de trabalho, foi permitido, em partes, o acordo existente entre empregado e empregado – quando o empregado quer sair, devolva o valor da multa do FGTS para o empregador e recebe o seguro-desemprego. Não será permitido nos mesmos moldes, continuando a ser estelionato contra a Administração Pública, mas será permitido o acordo, onde o empregado terá direito à metade o aviso prévio, se indenizado, e a indenização de 40% (quarenta por cento) sobre o saldo do FGTS, além de ser permitido sacá-lo até 80% (oitenta por cento) do valor total – não sendo, contudo, permitido, o saque do Seguro-Desemprego.
A Reforma Trabalhista criou, também, a possibilidade de se pactuar cláusula compromissória de arbitragem, por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância, conforme Lei 9.307/96, para os contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a 02 (duas) vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Além disso, é permitido aos empregados e empregadores firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Assinado o termo de quitação, presume-se que todas as verbas trabalhistas constantes no período do tempo tenham sido pagas, não podendo ser cobradas posteriormente – exceto se comprovar que houve fraude ou coação.
Permitiu-se também, com a nova lei, a criação de uma comissão para representação dos empregados em empresas com mais de duzentos empregados, com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores, representando os empregados perante a Administração da empresa, aprimorar o relacionamento entre empresa e empregados, dentre outras esculpidas no novo art. 510-B da CLT.
Já em relação aos sindicatos, passou-se a ser facultativa a cobrança da contribuição sindical de 01 (um) dia de serviço no mês de março de cada ano, conforme nova redação dos art. 582, 583, 587 e 602 da CLT.

Por fim, há as modificações trazidas no processo trabalhista, ainda dentro da CLT, a qual traremos em outro tópico, à parte.