sexta-feira, 28 de julho de 2017

Mudanças advindas pela Lei de Terceirização (Lei 13.429/17)



A Lei de Terceirização foi aprovada no dia 31 de março deste ano, recebendo o número 13.429/17 e entrando em vigor no mesmo dia de sua publicação – ou seja, desde o dia 1º de abril deste ano a terceirização e o trabalho temporário é regido pela nova lei. E você sabe como funciona a nova lei?
            A Lei 13.429/17 modificou de forma consubstancial a Lei 6019/74, que tratava, até então, do trabalho temporário, passando a abranger a terceirização com o advento da Lei de Terceirização. Antigamente, a terceirização não era regulada por nenhuma lei, sendo apenas regulada pela Súmula 331 do TST, que regulamentava a terceirização dentro do Poder Judiciário – uma vez que súmula não vinculante não afeta outros Poderes do Estado. Com o advento da nova legislação, a matéria passou a ser tratada por lei escrita e que vigora com efeitos erga omnes (ou seja, para todos).
            Como sabemos, a Lei 6019/74 trata de trabalho temporário de pessoas físicas a uma empresa para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviço, na contramão do contrato por prazo determinado do art. 443 da CLT, como o contrato de experiência. Com o advento da nova lei, o trabalho temporário passou a ser exercido por pessoas físicas contratadas por uma pessoa física ou jurídica, denominada empresa de trabalho temporário, para exercer temporariamente serviço, de natureza transitória de substituição de seu pessoa regular e permanente, acréscimo extraordinário de serviço ou de demanda complementar de serviços, para uma empresa denominada tomadora de serviços.
            Assim, ao contrário dos contratos por termo determinado existentes na CLT[1], o trabalho temporário é exercido atualmente por uma empresa que contrata pessoas para trabalhar dentro de outra pessoa, de forma temporária. Conforme o novo art. 6º, a empresa de trabalho temporário deve possuir os seguintes requisitos, apresentados no Ministério do Trabalho: I – prova de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ); II – prova de registro na Junta Comercial; III – prova de possuir capital social de, pelo menos, R$ 100.000,00 (cem mil reais).
            A empresa de trabalho temporário será responsável pelas obrigações previdenciárias e trabalhistas dos seus trabalhadores, enquanto que a tomadora de serviços será responsável por cuidar da segurança, saúde e salubridade do trabalhador temporário e poderá contratar a empresa de trabalho temporário para alocar funcionários temporários tanto para suas atividades-meio quanto para suas atividades-fim, o que a lei era completamente silente até então.
            A nova legislação determina ainda que não haverá vínculo de emprego entre a empresa tomadora de serviços e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário e que o contrato, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, consecutivos ou não, prorrogáveis por mais 90 (noventa). Quando findar o prazo, o trabalhador não poderá ser colocado à disposição novamente pela mesma tomadora de serviços com novo contrato temporário, exceto após 90 (noventa) dias do término do contrato anterior, sob pena de caracterizar vínculo empregatício com a tomadora de serviços.
            Ainda, a Lei de Terceirização determina ainda que ao trabalhador temporário não se aplica o contrato de experiência da CLT, em relação à tomadora de serviços e que esta é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário, exceto no caso de falência da empresa de trabalho temporário, quando a tomadora será solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, remuneração e indenização previstas na própria lei, no tocante ao tempo que o trabalhador esteve sob suas ordens.
            Por fim, em relação ao trabalho temporário, a Lei 13.429/17 determina que competirá à Justiça do Trabalho dirimir os litígios entre as empresas de trabalho temporário e seus trabalhadores (o que a nosso ver já era algo óbvio, uma vez que a Constituição Federal determina que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho e que a Lei 6.019/74 não se aplica às empresas de vigilância e transporte de valores, que possuem regra própria (Lei 7.102/89).
Além do trabalho temporário, conforme já dito anteriormente, a Lei 13.429/74 trouxe a terceirização – por isso que a referida lei tem a alcunha de “Lei da Terceirização”. Terceirização é uma modalidade de organização estrutural que permite a uma empresa transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo os custos, economizando recursos e desburocratizando a administração.
A nova lei trouxe a figura de duas novas formas de empresa: as empresas prestadoras de serviços a terceiros e as contratantes. As principais são as chamadas empresas terceirizadas, pois suas funções é destinar trabalhadores para prestar à contratante serviços determinados e específicos, de forma não temporária. Já a empresa contratante é aquela que receberá os funcionários terceirizados e onde os mesmos exercerão suas atividades.
A legislação determina que fica a cargo das empresas prestadoras de serviços a terceiros contratar, dirigir e remunerar seus funcionários, não necessitando que seus funcionários obedeçam às ordens emanadas pela empresa contratante. Além disso, a Lei 13.429/17 determina que não configura vínculo empregatício entre os funcionários da empresa prestadora de serviços e a contratante, revogando-se o inciso III da Súmula 331 do TST[2] e que a empresa prestadora de serviços deverá possuir os seguintes requisitos para funcionar, ipsis litteris:

Art. 4º-B: [...]
I - prova de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
II - registro na Junta Comercial;
III - capital social compatível com o número de empregados, observando-se os seguintes parâmetros:
a) empresas com até dez empregados - capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
b) empresas com mais de dez e até vinte empregados - capital mínimo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais);                 
c) empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados - capital mínimo de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais);                
d) empresas com mais de cinquenta e até cem empregados - capital mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e                
e) empresas com mais de cem empregados - capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). (BRASIL, 2017)  

Assim, se torna impossível a equivocada ideia de que o empresa contratante poderá demitir seus funcionários e determinar que os mesmos voltem como pessoas jurídicas.
Além disso, conforme já determinava a própria Súmula 331 do TST, a empresa contratante será subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas dos trabalhadores responsáveis.
Por fim, a Lei de Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) modificou a Lei 6.019/74 – apenas quatro meses após o advento da Lei 13.429/17 -, determinando expressamente que o contrato firmado entre a prestadora de serviços e a contratante pode ser tanto em relação às atividades-meio quanto as atividades-fim – o que antes era silente pela Lei de Terceirização, que não proibia nem permitia expressamente. Para findar com as dúvidas, a Lei de Reforma Trabalhista passou a permitir expressamente, permitindo também que as empresas prestadoras de serviço igualem o salário dos terceirizados com os não-terceirizados.
Além da modificação supramencionada, a Lei de Reforma Trabalhista passou a determinar expressamente que não se pode configurar como empresa prestadora de serviços a pessoa jurídica cujos donos ou sócios tenham prestado serviço à contratante como empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, no prazo de 18 (dezoito) meses, exceto se forem aposentados. Da mesma forma, o empregado demitido não poderá prestar serviços para a empresa que o demitiu pelo prazo de 18 (dezoito) meses, como empregado de empresa prestadora de serviços.
Vale salientar, ao final, que a Lei de Reforma Trabalhista só passará a vigorar no mês de novembro de 2017 (120 dias da data de sua publicação; art. 6º da Lei 13.467/17), enquanto que a Lei de Terceirização não teve, conforme já explicado, período de vacatio legis.


[1]O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando: I - de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; II - de atividades empresariais de caráter transitório; e III - de contrato de experiência. 

[2] “Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.” (inciso III da Súmula 331 do TST).

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Estelionato Religioso

Nos dias atuais, nós vemos cada vez mais igrejas protestantes abriram suas portas, onde pastores clamam verdadeiros discursos perante os fiéis, normalmente cobrando dízimo em troca de uma vida melhor após a morte, vendendo artefatos ditando serem os mesmos milagrosos, dentre outras atividades religiosas em troca de dinheiro. Os artefatos são comumente almofadas que curam prisão de ventre, pregas da cruz de Cristo, sangue de sei-lá-quem que cura câncer, etc.
            Entretanto, a grande maioria destes artefatos e dessas graças estão longe de serem milagrosos, fazendo com que pastores arranquem generosas quantidades de dinheiro de seus fiéis, vendendo-lhes artefatos enganosos, pregando preces que não funcionam, não lhes curando nada daquilo que aos fiéis foram prometidos. E como fica tal questão, à luz do Direito?
            O Código Penal determina, em seu artigo 171, que é crime obter vantagem ilícita, em detrimento alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, na qual configura a figura do estelionato. Assim, é estelionato toda fraude com o intuito de receber vantagem econômica em detrimento alheio – como os chamados “conto do vigário”, “golpe do bilhete premiado”, “golpe do troco”, dentre outros. Da mesma forma, determina o artigo 283 do mesmo diploma que é crime “inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”, na qual configura o charlatanismo. Dessa forma, configurará charlatanismo quando alguém anuncia que sabe curar doença da pessoa através de um método completamente secreto e que não revelará ao público. Vender produto milagroso não o sendo, cobrar dízimo em troca de espaço no céu, dentre outros – ludibriando, pois, os adquirentes -, configuraria, em tese, crimes de estelionato e/ou charlatanismo, com penas que variam entre um ano e seis anos de prisão.
            Todavia, é necessário ressaltar que a Constituição Federal de 1988 assegurou a liberdade religiosa, transformando-a em direito fundamental e inviolável da pessoa humana (inciso VI do art. 5º da Carta Magna). Assim, qualquer pessoa tem direito de professar sua religião sem interferência estatal, podendo ministrar cultos, construir templos, orar, carregar símbolos religiosos nas ruas, etc. Pode uma mulher islâmica andar pelas ruas usando hijab ou burca; pode haver procissões católicas; pode haver abertura de igrejas para rezas evangélicas, e assim por diante. Dessa forma, a venda de artefatos religiosos configuraria, a princípio, liberdade religiosa, pois, por mais que não haja efeito médico algum, pode haver efeitos religiosos na pessoa, que acredita sinceramente que aquele artefato é milagroso por dádiva divina. Outrossim, pode a pessoa acreditar que doando o seu dinheiro à Igreja estará fazendo um bem, tendo, pois, um lugar no céu após a morte. Então, qual princípio deveria prevalecer – e, portanto, ser aplicado – neste caso? A proteção ao patrimônio particular (a qual o estelionato viola) e à saúde pública (a qual o charlatanismo viola)? Ou a liberdade religiosa?

            Ainda que haja todo um conceito religioso à frente da venda dos artefatos milagrosos, de preces em troca de dízimo, dentre outros, por trás há a intenção destes pastores em se beneficiarem das vendas para auferirem generosos lucros. Há vários e vários pastores extremamente ricos, com dinheiros recebidos pelos fiéis em troca de graças, artefatos milagrosos, dentre outros. Isso é ludibriar o outro. E não pode os pastores usarem suas igrejas como mecanismo de auferir lucro de maneira completamente ilegal. Nestes casos, as igrejas são apenas fachadas para um intento maior – o dinheiro. Estes pastores não estão sob a égide da religião e sim do desejo de lucrar. Portanto, não cabe a estes a proteção constitucional da liberdade religiosa, eis que a religiosidade não está ali presente – e sim o interesse em utilizá-la com o intuito de enganar os fiéis para ganharem lucros. E isso não pode o Direito brasileiro permitir. Por mais que haja religião na venda dos artefatos religiosos, do dízimo em troca das graças, dentre outros, não há por parte dos pastores qualquer fé, qualquer religiosidade no assunto – não podendo, portanto, ser dado a estes a proteção constitucional da liberdade religiosa, devendo, assim, responder normalmente por seus atos. 

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Assalto: roubo ou extorsão?



Dentro do campo do Direito Penal, existem diversas condutas que se amoldam a mais de um tipo penal, criando uma imensa discussão doutrinária e jurisprudencial acerca de qual dos tipos penais se aplicará àquela conduta. Isso ocorre devido a similaridade entre os tipos penais, que abarcam ou deixam de abarcar condutas distintas por ocasião de sua redação. No campo dos crimes patrimoniais, talvez os tipos penais mais similares e que causam essa confusão são o roubo (art. 157) e a extorsão (art. 158). A redação dos referidos tipos penais dada pelo Código Penal é, respectivamente:

Art. 157: Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
           
Conforme a redação dada acima, roubo ocorre quando o agente subtrai um bem móvel alheio utilizando-se de violência, grave ameaça ou de qualquer modo que retira a resistência da vítima. É um furto ocorrido de forma violenta. É roubo, portanto, quando o agente empurra alguém para subtrair sua carteira, quando arranca violentamente a corrente, quando tranca alguém no banheiro e o subtrai, dentre outras condutas. Já extorsão ocorre quando o agente obriga alguém, utilizando-se da violência ou grave ameaça, a realizar, deixar de realizar ou tolerar que se realize uma conduta que tem como objetivo ganhar vantagem pecuniária. Assim, será extorsão quando o agente aponta uma arma para terceiro e diz para este sacar dinheiro no banco, ou quando ameaça alguém se a vítima não lhe der dinheiro. É uma forma diferenciada do crime de roubo. Enquanto no primeiro a vantagem pecuniária se dá de forma abrupta, arrancada pelo próprio agente, no segundo a vantagem é entregue pela própria vítima, de forma não espontânea – a vontade da vítima está viciada por causa da coação.
            Os tipos penais são demasiadamente parecidos, de difícil aplicação no dia a dia forense. Para evitar injustiças, o legislador de 1940 colocou as penas do roubo e da extorsão como idênticas, sendo a mesma tanto para um quanto para o outro – quatro a dez anos de reclusão, e multa. Da mesma forma, a pena dos dois crimes é a mesma quando há emprego de arma, concurso de pessoas (art. 157, § 2º, I e II e art. 158, § 1º), lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º e art. 158, § 2º), só ficando divergente as penas atualmente em relação à restrição de liberdade (art. 157, § 2º, V e art. 158, § 3º).
Da mesma forma, abre divergência entre os crimes de roubo e extorsão quando se trata do iter criminis de ambos. Conforme entendimento sufragado até pelo Superior Tribunal de Justiça ano passado, o crime de roubo se consuma quando o agente detém a posse da res furtiva, ainda que por breves segundos. Ou, nas palavras do Colendo Tribunal: "Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada.". Assim, ainda que o agente possua a res durante alguns segundos, estará consumado o crime de roubo.
            A extorsão, ao contrário do crime de roubo, consuma-se em momento distinto. Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial massivo – que culminou na edição da Súmula 96 pelo STJ, o tipo penal do art. 158 do Código Penal é crime transcendental, sendo a consumação e o exaurimento dados em momentos distintos. Conforme a redação dada pelo referido artigo, o crime de extorsão consuma-se no momento em que o agente constranger a vítima, utilizando-se da violência ou grave ameaça, para que esta aja, tolera que se aja, ou deixe de agir, visando uma vantagem patrimonial. A obtenção da dita vantagem é mero exaurimento do crime, não importando para a sua consumação. Assim, pode-se haver uma consumação do crime de extorsão quando ainda se encontra na fase de execução se fosse crime de roubo.
Entretanto, em relação aos assaltos, prática tão comum nas grandes capitais, deverá ser aplicado o tipo penal do roubo ou da extorsão? O modus operandi dos bandidos são normalmente os mesmos: apontam suas armas (seja de fogo, seja branca) para a(s) vítima(s) e exige(m) dinheiro e/ou bens, como celular e carteira. A(s) vítima(s), rendida(s), entrega(m) o dinheiro e/ou os bens aos criminosos, que evadem do local às pressas, normalmente na posse de um veículo. Neste caso, estamos falando de crime de roubo ou de extorsão?
            Conforme já foi dito anteriormente, o roubo ocorre quando o agente subtrai a res furtiva, enquanto que na extorsão a própria vítima lhe entrega a res, seja através da violência, seja amedrontada diante de uma ameaça grave. O próprio agente faz a transferência da propriedade do bem na subtração no primeiro caso, enquanto que no segundo é a vítima que faz a transferência, seguindo uma ordem do agente (que a constrangeu para fazer aquilo). Assim, não é cabível dizer que nos assaltos estamos diante de crimes de roubo e sim crimes de extorsão. Só ocorrerá crime de roubo quando o agente utiliza da violência ou da grave ameaça para impedir a reação da vítima e ele próprio subtrai a res furtiva. Por exemplo: um agente aponta uma arma de fogo para a vítima e retira o cordão de seu pescoço. Já quando ele aponta a arma em direção à vítima e exige que a mesma lhe entregue o dinheiro ou que jogue no chão a carteira, estamos falando de crime de extorsão.
            E quando se dará a consumação no caso em comento? Conforme dito anteriormente, a consumação dos crimes de roubo e extorsão ocorrem em momentos distintos. No caso, tão logo a vítima obedecer o assaltante, entregando-lhe a res para ele, estaraá consumado o crime de extorsão, ainda que o agente seja preso, por exemplo, dentro do estabelecimento assaltado ou na frente da vítima. A obtenção da vantagem patrimonial é irrelevante para a consumação do crime de extorsão, bastando que a vítima obedeça à ordem dada pelo agente para consumar o crime – ao contrário do crime de roubo, que exige que o agente detenha a res, que tenha a vantagem patrimonial, ainda que por breves segundos.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

5 decisões do Supremo Tribunal Federal de deixar qualquer constitucionalista de cabelos em pé



            As decisões do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Judiciário brasileiro, estão bastante em voga na atualidade, principalmente por ocasião da Operação Lava-Jato, que mostrou ao país o cenário de crime que grandes empreiteiras e políticos de renome tinham por trás das câmeras. Assim, com o intuito de parar os crimes cometidos com dinheiro público, o Supremo Tribunal Federal foi chamado vez ou outra para interceptar os crimes; entretanto, vez ou outra, nos últimos anos, o STF deu decisões – principalmente em casos envolvendo a Operação Lava-Jato, mas não se restringindo a ela – ao arrepio da lei, atropelando direitos e determinações legais, em prol do “interesse público”. Confira agora 5 decisões do Supremo Tribunal que deixam qualquer constitucionalista de cabelo em pé:

            P.S.: Vale salientar que não defendemos nenhum partido ou político. Entendemos que, se há denúncia de cometimento de crime por parte de um partido ou político, que a denúncia seja investigada e, se for o caso, a pessoa física presa por seus atos, mas dentro da legalidade. Não se conquista as coisas atropelando direitos.

1 – Prisão do Delcídio do Amaral

            O ex-senador Delcídio do Amaral foi preso no dia 25 de novembro de 2015 acusado de comprar o silêncio do ex-diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró, tendo, portanto, supostamente cometido o crime de embaraçar investigações de crimes cometidos por organização criminosa (art. 2º, § 1º da Lei 12.850/13).
            Todavia, o grande problema era que, quando o Delcídio foi preso, ele era senador. E, conforme o art. 53, § 2º da Constituição Federal determina, um parlamentar não pode ser preso, senão em flagrante delito em crime inafiançável. Segundo o Supremo Tribunal Federal, o crime de embaraçar investigações de crimes cometidos por organização criminosa era crime permanente, portanto, ele ainda estava em flagrante, decretando-se assim sua prisão preventiva. Só há dois poréns: um, o crime alhures não é inafiançável, então ainda esbarra na vedação da Constituição Federal; dois, a prisão em flagrante não pode ser decretada pelo magistrado e tem duração máxima de 24 (vinte e quatro) horas (art. 310 do CPP), o que não foi o caso. Essa decisão foi uma aberração tanto para os constitucionalistas quanto para os criminalistas.

2 – Impedimento do Lula como Ministro da Casa Civil

No dia 16 de março de 2016, o ex-presidente Lula foi nomeado Ministro da Casa Civil pela então Presidente da República Dilma Rousseff, tendo sido sua nomeação alvo de inúmeros processos de Ação Popular que visavam impedir sua posse. No dia 18 de março, o Ministro do STF Gilmar Mendes, monocraticamente, impediu a posse, por entender que a nomeação visava dar o ex-presidente foro privilegiado, impedindo, em tese, investigações sobre si.
Primeiramente, vale salientar que Ministros podem ser normalmente investigados. Vide os inúmeros Ministros atuais que carregam inquéritos nas costas – incluindo Moreira Franco, que também teve sua nomeação questionada judicialmente. Dissertar que dar foro privilegiado ao ex-presidente é impedir investigações sobre si é dizer que o órgão que o investiga – o próprio STF – é incompetente, deixando cair na impunidade. Segundo, Ministro não tem imunidade, como possuem os parlamentares e o Presidente da República. Se um investigado e até condenado criminalmente pode assumir o cargo de parlamentar, também pode ser nomeado Ministro.
Por fim, entendemos que os juízes de primeira instância poderiam dar liminares impedindo a posse do ex-presidente Lula, mas não o STF. As ações em primeira instância foram dadas em Ação Popular, que podem visar anulação de atos lesivos à moralidade administrativa (art. 5º, LXXIII da Constituição Federal), mas não as ações apresentadas no Supremo Tribunal Federal pelos partidos PSDB e PPS, que são mandados de segurança, que visam assegurar direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. (art. 1º da Lei 12.016/09). Já os mandados de segurança coletivos (art. 21 da referida lei), podem ser impetrados por partido político com representação no Congresso Nacional, desde que seja para defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, o que não é o caso.
Dessa forma, mais uma aberração jurídica proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

3 – Afastamento dos deputados Eduardo Cunha e Rodrigo da Rocha Loures e do senador Aécio Neves dos seus mandatos como parlamentares

No dia 5 de maio de 2016, o ex-Ministro Relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki deu, em caráter liminar, e o plenário do STF ratificou a posteriori o afastamento do deputado Eduardo Cunha do mandato de deputado, afastando também do cargo de Presidente da Câmara dos Deputados, por, supostamente, utilizar o cargo para interferências no seu processo disciplinar e nas investigações criminais da Operação Lava-Jato. Por mais louvável que a decisão tenha sido, essa também é uma aberração jurídica.
Como bem sabemos, a Constituição Federal determina a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, não podendo um poder interferir na atuação do outro, exceto nos casos trazidos pela própria Carta Magna (art. 2º). Não existe permissão legal para que o Judiciário afaste preventivamente um parlamentar de suas funções; dessa forma, tal decisão encontra óbice no próprio Princípio da Separação dos Poderes, sendo, assim, outra aberração jurídica.
Da mesma forma, em 18 de maio de 2017, na Operação Patmos, desdobramento da Operação Lava-Jato, os parlamentares Rodrigo da Rocha Loures e Aécio Neves também foram afastados de suas funções, pois foram acusados de receber dinheiro da empresa J&F de forma indevida. Novamente, por mais louvável que tenha sido as decisões e por piores que tenham sido os motivos, novamente não há base legal para os referidos afastamentos.

            4 – Réus em processo criminal não podem estar na linha sucessória da Presidência da República

            Entendeu o Supremo Tribunal Federal em 2016 que aqueles que réus em processo criminal não podem estar na linha sucessória. Dessa forma, o Ministro do STF Marco Aurélio de Mello afastou, em caráter liminar, o então Presidente do Senado Renan Calheiros de sua função como presidente, no dia 5 de dezembro do mesmo ano.

            Dessa vez, a nosso ver, houve uma confusão interpretação do Supremo Tribunal Federal quanto aos §§ 1º e 2º do art. 86 da Constituição Federal. Segundo estes parágrafos, o Presidente da República, uma vez réu em processo criminal perante o STF ou de processo de impeachment no Senado, ele ficará afastado de suas funções enquanto perdurar o processo ou, se não for concluído o processo, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias.

            Entendeu o STF que o afastamento cautelar determinado pelo art. 86 da Constituição Federal era por ocasião da moralidade administrativa e que, portanto, réus que estão na linha sucessória e que podem chegar, um dia, à Presidência da República não poderiam continuar nos seus mandatos, devendo ser afastado. Primeiramente, fere de morte o Princípio da Separação dos Poderes, pelos motivos já trazidos anteriormente. Segundo, o afastamento cautelar não é só por ocasião da moralidade administrativa, mas também – e principalmente – para que o Presidente acusado possa se dedicar à sua defesa sem colocar em xeque o andamento do país – tanto que ele volta ao final de 180 (cento e oitenta) dias, se o processo não for concluído.

            Ao final, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no caso do ex-Presidente do Senado Renan Calheiros, resolveu que réus em processo criminal podem ficar na linha sucessória, mas que, se forem assumir a Presidência, os “pulam” na linha, passando para o próximo, consertando mais uma aberração jurídica trazida pelo STF.

5 – Cumprimento de pena com condenação em segunda instância

            Por fim, também a que gere mais discussões dessa lista, pois gerou e gera até mesmo dentro do próprio Supremo Tribunal Federal. No dia 17 de fevereiro de 2016, o STF determinou a possibilidade de cumprimento de pena quando da condenação em segunda instância, não precisando esperar o julgamento de todos os recursos.
            Tal decisão causou arrepios aos criminalistas e constitucionalistas de plantão, pois foi relativizado um dos principais direitos fundamentais da pessoa humana e um dos alicerces da democracia, que é a Presunção da Inocência (art. 5º, LXII da Constituição Federal). Ora, é um direito fundamental que só se comece o cumprimento da pena quando do esgotamento total de discussão do mérito da sentença condenatória – ou seja, com o seu trânsito em julgado. E direitos fundamentais não podem ser relativizados ou abolidos, devendo ser cumpridos à risca, tal qual foi elaborado (art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal). E se alguém, condenado em primeira e segunda instância, é absolvido no Superior Tribunal de Justiça ou até mesmo no próprio STF? Como que fica sua situação?
            Tal decisão foi tomada, data maxima venia, porque o Supremo Tribunal Federal sabe de sua ineficiência, e do STJ, para julgar causas. Não é muito raro vermos que um processo demore anos para ter seu julgamento finalizado, pois “travam” quando vão para os Tribunais Superiores. E, como no processo criminal a prescrição corre mesmo dentro do processo, acabam por inúmeros crimes ficarem prescritos durante o curso do processo. Como isso desperta a sensação de impunidade na população, o STF, ao invés de melhorar o seu desempenho, “joga a culpa” nos recursos e, com apoio popular, consegue relativizar um importante Direito Fundamental, que não poderia, jamais, ser relativizado. E acaba por vir parar na nossa lista.
           
P.S.: Relativização do foro privilegiado

Essa pauta vem de brinde porque ainda não foi julgado completamente pelo Supremo Tribunal Federal. Há um julgamento, em curso no STF, que pretende relativizar a aplicação do foro privilegiado, para que se aplique apenas aos crimes cometidos durante o exercício do mandato e se estiver relacionada com as funções desempenhadas no cargo.
Novamente, o STF está relativizando normas constitucionais em prol do suposto interesse público. Entretanto, conforme discutimos aqui: 
<http://picondecarvalhoadv.blogspot.com.br/2017/05/a-necessidade-de-manutencao-do-foro.html>, onde trouxemos mais detalhes, o foro privilegiado é importante, não podendo ser relativizado ou retirado, sob pena de perpetuar a impunidade. É outra manobra do STF para, vendo sua incompetência em julgar rapidamente os processos, realiza com apoio popular, sem participação do Poder Legislativo, competente para o caso, retirar de suas mãos inúmeros processos que acabariam prescritos por sua incompetência. E novamente vem parar aqui na nossa listinha...